sábado, 7 de maio de 2011

Eu e o velho

Foi por aqui... Mas era noite.
Muitos não sabem das coisas de Ouro Preto, mas os de lá que me conhecem, sabem que meu rumo é o das Cabeças, bairro em que fui criando e onde me estabeleço. Tenho lá perto do Bom Jesus meu ateliê para me esconder e borrar umas telas.
Chegava eu não muito tarde, subindo a ladeira, perto do Grupo das Cabeças (claro que o nome nunca foi esse, mas pra que tentar manter atualização de nomes das repartições públicas?). Era por volta de 21h e eu levava material para um sopa de tomates, uma execrada sacolinha de plástico do supermercado. Pois bem, àquela altura, fui abordado por um velhinho que ia na mesma direção. pensei que fosse algum pedinte. Nós, habitantes da metrópoles, somos treinados a evitar essas abordagens: idoso, aparentando ser pobre (ou talvez abaixo da linha que a Dilma passou no país agora).
Imediatamente, minha primeira impressão se desfez - ele só queria um dedo de prosa - aí, é comigo!
Uma das primeira informações que ele me deu me deixou pasmo, mas esse dado eu vou deixar para o fim, para prender mais a atenção do leitor.
Na verdade o velho tinha uma questão sobre a qual desejava minha opinião: perguntou-me direto se eu achava que ele ainda poderia aprender a ler, se isso ainda seria possível na idade dele. Incrível que ainda existam analfabetos e que alguns deles ainda pretendam reverter essa situação.
Gastei todo nosso curto percurso tentando estimulá-lo, disse que aprenderia sim, precisaria se esforçar mas que a gente não perde a capacidade de aprender. Disse que ser alfabetizado poderia marcar mais uma grande fase na vida dele, que haveria um novo mundo aberto. Entusiasmei-me pela prosa e pelo proselitismo da causa. Tinha que ser breve, pois não teríamos muitos metros juntos. Usei de toda minha andragogia. Contei para ele que eu havia sido professor, que ensinara em muitos lugares, mas que uma das coisas mais importantes que já havia eu feito fora alfabetizar duas meninas. Devo ter usado uns bons bordões de apoio, reforço da ideia e... cheguei aonde ia, me despedi. Ele disse que ia mais acima tomar uma pinga e nos despedimos; entrei para tomar a minha com a sensação de dever cívico cumprido.
A terrível informação que me deixou pasmo? Bem, o dado de ser analfabeto é terrificante, mas, além disso, a avançada idade que gerava dúvida no velho sobre a possibilidade de ser alfabetizado era de quase cinquenta anos! O mesmo número que alcanço logo depois do solstício do próximo verão... e era velho!

Leia mais neste blog: Azo a crônicas - A padroeira - Soneto da disputa - Chafariz da Coluna
Leia também no blog da Keimelion: Como escrever palavras compostas Emprego da crase - Locuções com e sem crase
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