segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Olhos que viram Ouro Preto


José Aloise Bahia
"A história literária e artística da cidade, como personagem e fonte de inspiração é muito fértil. Casas, monumentos, praças, museus e igrejas foram entoadas em prosas, versos, linhas, tintas e mãos talentosas de escritores, artistas plásticos, cineastas e jornalistas, cuja gênese é bem antiga - no Arcadismo - e próspera na Modernidade Brasileira. No jornalismo, Tristão de Athayde. No cinema, Humberto Mauro. Nas artes plásticas, além de Aleijadinho, Alberto da Veiga Guignard, Amilcar de Castro, Yara Tupinambá, Nelo Nuno, Wilde Lacerda, Renato de Lima, Inimá de Paula, Carlos Bracher, Chanina, Ivan Marqueti, Maurino Araújo. Na literatura, Cláudio Manoel da Costa, Tomaz Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto, Júlio Cortazar, Elizabeth Bishop, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Oswald e Mário de Andrade, Cecília Meireles, Murilo Mendes, Gabriela Mistral, Manuel Bandeira, Otávio Paz, Rui Mourão, Ana Miranda e muitos outros"...

A peleja infernal ente Vinicius e Zé Badu

... uma situação vivida por Vinicius de Moraes por estas plagas.
Vamos voltar no tempo, para o mesmo ano em que nosso herói seguiu para Londres, 1938, mais precisamente em agosto desse ano. O local: Ouro Preto. A missão: “debulhar os arquivos da Igreja de São Francisco de Assis, à cata de recibos comprovantes de umas tantas obras atribuídas a Antônio Francisco de Lisboa, o Aleijadinho”. A equipe: o escritor, e então chefe do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rodrigo Mello Franco de Andrade; o arquiteto José Reis “e um poeta com o meu nome (Vinicius), que ainda não praticava a arte da prosa”. A verdadeira façanha de Vinicius ocorre no Hotel Toffolo, na hora da ceia de despedida da missão, uma mesa rabelaiseana que dispunha, entre outras coisas, de um indefectível leitão assado e bebidas para todos os gostos. Afora os três boêmios, se encontravam ainda Carlos Flexa Ribeiro, Wladimir Alves de Souza e a figura folclórica de Zé Badu, “violeiro, cantador e contador de velórios”, companhia constante nas noitadas dos visitantes.Essas informações constam da crônica Ouro Preto de Hoje Ouro Preto de sempre, de maio de 1953, disponível no livro de Vinicius Para uma menina com uma flor. Após uma estada que incluiu um namorico com uma jovenzinha de 13 anos chamada, ironicamente, Marília; muita seresta regada a pinga com cerveja; e, “Tarde laboriosas, a verificar papel por papel nas imensas gavetas das enormes cômodas de jacarandá da sacristia de São Francisco de Assis”, nosso poeta se encontra agora nos fundos do Café do Hotel Toffolo, participando de um desafio de improviso inusitado com Zé Badu. O violeiro mineiro sempre gostou de provocar, na camaradagem cachaceira das noites frias da brincadeiras bairristas, retrucadas e levadas com humor por Vinicius. Agora, em plena festa da ceia, de pinho em punho, o cantador resolve tirar uma quadrinha espicaçando a carioquice de nosso herói que, participando de um desafio pela primeira vez, e estimulado pela platéia de comensais, lança de volta outra quadra “bolindo com Minas”. E assim, pouco a pouco, entre goladas e rimas, o negócio esquenta num crescendo, com as ofensas se tornando cada vez mais picantes de ambas as partes...
Vinicius, por incrível que pareça, começa a levar a melhor sobre o profissional da arte do improviso, talvez porque estivesse “um pouquinho mais sóbrio”. Até o instante inesperado em que o exímio cantador travou, não conseguindo mais responder às provocações de seu oponente, e nosso poeta, exuberante, além de continuar improvisando, ainda lança mais três quadrinhas seguidas, que acabaram por definir a incontestável vitória carioca na histórica peleja. A reação do violeiro não foi menos singular do que a sua derrota: parou imediatamente de tocar e abaixou a cabeça em silêncio. Evidentemente ferido em sua vaidade de grande artista popular, olhou com gravidade para nosso herói e para Rodrigo Mello Franco de Andrade; logo a seguir, num gesto que surpreendeu a todos, pega o seu revólver e começa a mandar balas para o alto, “sacudindo o braço em tiros de raiva”. O clima ficou carregado, a festa, obviamente, acabou naquele exato momento.
Depois, na rua, os ânimos já acalmados, Zé Badu revela a Vinicius que só não “atirara em cima” dele porque ele “era do peito”...

MORAES, Vinicius. Poesia completa e prosa. Org: Alexei Bueno. RJ, Nova Aguilar, 1998.

Senhor Cê

"Em uma viagem as Minas Gerais, descobri um homem que, por certo, é mais conhecido que o presidente da república. Para ser sincero não cheguei a vê-lo pessoalmente, mas todos, sem exceção, conhecem o senhor Cê em Minas.
Eu andava sereno pelas ruas de Ouro Preto, linda cidade, quando, pela 1ª vez, ouvi falar sobre o tão conhecido senhor:
— Cê vai lá em casa? — Perguntou sorrindo uma senhora, que passava pela rua.
— Não sei se será possível! — Respondeu a jovem, educadamente, para a senhora.
Atinei de imediato que esta era secretária, ou em cargo diferente, trabalhava para o senhor Cê. Certeza não tenho, se é nome ou apelido, mas pelo fato de ser conhecido por todos, sei o quão importante é.
Pelo que ouvi, deu-se a perceber que falam, mas têm dúvidas a respeito do popular se nhor Cê.
— Cê é rico!
— Cê mora longe!
— Cê é pobre!
— Cê mora perto!
Com curiosidade em conhecer o famoso senhor, me arrisquei a perguntar a algumas pessoas, fatos que poderiam me levar a ele. Fui até um armazém, e, me dirigindo ao comerciante, perguntei onde Cê morava.
— Não é da sua conta.
Perguntei a uma senhora, que estava sentada no meio-fio, se conhecia o Cê.
— Sim, muito bem.
Perguntei se sabia onde Cê morava. Disse saber, porém não quis me dizer onde Cê morava.
Não obtive sucesso em conhecer, em pessoa, o misterioso senhor Cê. Cheguei à conclusão que todos queriam protegê-lo.
Volto para casa, contente, por saber que pessoas como o senhor Cê também fazem parte da magnífica linha da história.
Para as mulheres que acharam interessante o distinto senhor, digo que é casado, pois ouvi diversas vezes dizerem:
— Cê casou!
Sem sombra de dúvidas senhor Cê é muito especial em Minas."

Azo a crônicas...

Contemplação de Ouro Preto

"Falei que comecei a minha peregrinação – porque foi uma peregrinação que eu empreendi, uma caminhada buscando um lugar que somente a fé explica, que foi a fé e sua força tamanha, e suas contradições, que ergueu. Qual é a jóia mais preciosa do universo? O homem quer erguer templos preciosos como uma jóia, que se multiplica, para chegar a Deus, a jóia mais preciosa."

"Mas preciso caminhar, e entro no Museu da Inconfidência, solene e algo misterioso. Cada passo que dou neste lugar é um passo rumo ao incógnito, lá onde mora o tempo com suas barbas antiqüíssimas. Vou separar duas imagens deste museu, não quero falar muito. A primeira são os madeiros do cadafalso de Tiradentes. Quase escrevo da cruz, que foi numa cruz que primeiro pensei quando vi os estranhos madeiros, cruzando-se como as traves de uma cruz. Não foi à toa que representaram Tiradentes como a figura de um Cristo, com longas vestes e barbas, e o olhar sofredor, nesta terra de tantos Cristos agoniados."

Filhos indo estudar em Ouro Preto

"Uma atitude que ajuda os pais, nessa hora de ouvir os filhos sem interferir, apontando sem e sonham com o que poderiam ter sido ou feito mais prazerosamente? Essas reflexões me fazem lembrar de três anos atrás (credo, já se passou tanto tempo?) quando fui levar meu filho à sua nova moradia em Ouro Preto, até hoje a mesma de quando ele ingressou no curso de Filosofia pela Universidade Federal dessa cidade mineira.

Eu, que ainda tenho a mesa que foi de papai no consultório, e pensava às vezes em deixá-la de herança também para meu filho, como já a usa decidir por eles, é um exame da própria consciência: será que eles mesmos estão na profissão que queriam? Tiveram a oportunidade de escolher, ou foram no embalo também, e hojminha filha também psicóloga (por vocação), tive que fazer cara de paisagem ao pensar em quanto talvez meu filho tenha que penar como professor de Filosofia (“sofressor”, como diz pessoa querida) logo em Minas Gerais, meu estado natal, porque para São Paulo ele já avisou que não volta. Enfim, é o que ele quer. Termina no próximo ano seu bacharelado em Filosofia, e já está engatilhando o mestrado."

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Polêmica no barroco mineiro


A pesquisadora e professora da Universidade Federal de Ouro Preto Guiomar de Grammont lançou um livro que derruba vários mitos sobre Antonio Francisco Lisboa (1730-1814), o Aleijadinho. Em Aleijadinho e o aeroplano o paraíso barroco e a construção do herói colonial (Civilização Brasileira, 322 pgs. R$45), ela questiona a paternidade do artista e até mesmo se ele seria tão deformado, já que não existem provas documentais ou materiais de sua doença, ou do impacto que ela teve no seu trabalho. Além disso, sua obra não foi tão vasta quanto se afirma, e muitas peças atribuídas a ele foram fruto de uma criação coletiva, de um ateliê. Um efeito colateral desse processo seria o ostracismo a que foram relegados diversos artistas da época, em prol do mito Aleijadinho. Guiomar mostra que o personagem de ficção Aleijadinho, como uma espécie de Quasímodo tropical, foi criado e recriado de forma fantasiosa desde sua primeira biografia, escrita por Rodrigo José Ferreira Bretãs em 1856, vinculada a um ideal romântico típico da época. Bretas teria inventado, por exemplo, um pai branco português para o artista, para torná-lo mais palatável como herói nacional. O livro é derivado da tese orientada por João Adolfo Hansen.




Guiomar é Brasileira, de Ouro Preto, Minas Gerais. Nasceu a 03 de outubro de 1963.
Graduada em História, Licenciatura Plena e Bacharelado, pelo Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais. Cursou Especialização em Cultura e Arte Barroca no Instituto de Arte e Cultura da mesma Universidade. Realizou o Mestrado em Filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente, cursa o Doutorado em Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo, USP, sob orientação do professor João Adolfo Hansen. Frequentou os cursos da Ecole de Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris durante o ano de 1999 e primeiro semestre de 2000, sendo orientada pelo professor Roger Chartier.
Obteve «Menção Honrosa» na categoria Contos no 22º Concurso da Revista Literária da Faculdade de Letras da UFMG, com o conto «O Diário de Medéia», em 1989.
Publicou o livreto de contos Corpo e sangue, Belo Horizonte: Editora Dez Escritos, 1991.
Concorreu a uma bolsa da Fundação VITAE em São Paulo, com o projeto do romance intitulado A casa dos espelhos, sendo um dos contemplados para o ano de 1992. O romance, com o título Katábasis, produzido com o patrocínio da VITAE, ficou entre os dez finalistas do prêmio Cidade de Belo Horizonte, em 1995.
A coletânea de contos de sua autoria O fruto do vosso ventre foi agraciado com o «Prêmio Casa de las Américas 1993» de Cuba, publicada no mesmo ano em Havana pela Casa de las Américas, e no Brasil, em São Paulo, pela Editora Maltese, em 1994. O livro já foi traduzido para o alemão e, atualmente, está sendo traduzido para o francês.
Publicou artigos em diversos jornais e revistas científicas do país. Coordenou, de 1995 a 1998, o Curso de Especialização em Cultura e Arte Barroca no Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto. Atualmente, faz a editoração da Revista do IFAC, uma publicação sobre cultura e arte barrocas da UFOP e leciona Filosofia da Arte para os cursos de Filosofia e Teatro. Organizou dois congressos internacionais sobre o barroco na cidade de Ouro Preto e, na Embaixada do Brasil em Paris, o Colóquio «Autour du Brésil Baroque» na ocasião da Exposição «Brésil Baroque: Entre Ciel et Terre» realizada no Museu do Petit Palais em Paris de 4 de novembro de 1999 à 4 de fevereiro de 2000.
Realizou leituras com sucesso de público na Casa de las Américas de Cuba, na Romanische Buchandlung em Berlin e na Cité Internationale Universitaire de Paris.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Leia e assine de graça:

Keimelion - revisão de textos, partilhe com seus amigos!

Postagens populares

Quem escreve um texto precisa sempre de um revisor, procure o melhor:

Quem escreve um texto precisa sempre de um revisor, procure o melhor:
Keimelion - revisão de textos - há mais de dez anos revisando teses, dissertações e livros.