... uma situação vivida por Vinicius de Moraes por estas plagas.
Vamos voltar no tempo, para o mesmo ano em que nosso herói seguiu para Londres, 1938, mais precisamente em agosto desse ano. O local: Ouro Preto. A missão: “debulhar os arquivos da Igreja de São Francisco de Assis, à cata de recibos comprovantes de umas tantas obras atribuídas a Antônio Francisco de Lisboa, o Aleijadinho”. A equipe: o escritor, e então chefe do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rodrigo Mello Franco de Andrade; o arquiteto José Reis “e um poeta com o meu nome (Vinicius), que ainda não praticava a arte da prosa”. A verdadeira façanha de Vinicius ocorre no Hotel Toffolo, na hora da ceia de despedida da missão, uma mesa rabelaiseana que dispunha, entre outras coisas, de um indefectível leitão assado e bebidas para todos os gostos. Afora os três boêmios, se encontravam ainda Carlos Flexa Ribeiro, Wladimir Alves de Souza e a figura folclórica de Zé Badu, “violeiro, cantador e contador de velórios”, companhia constante nas noitadas dos visitantes.Essas informações constam da crônica Ouro Preto de Hoje Ouro Preto de sempre, de maio de 1953, disponível no livro de Vinicius Para uma menina com uma flor. Após uma estada que incluiu um namorico com uma jovenzinha de 13 anos chamada, ironicamente, Marília; muita seresta regada a pinga com cerveja; e, “Tarde laboriosas, a verificar papel por papel nas imensas gavetas das enormes cômodas de jacarandá da sacristia de São Francisco de Assis”, nosso poeta se encontra agora nos fundos do Café do Hotel Toffolo, participando de um desafio de improviso inusitado com Zé Badu. O violeiro mineiro sempre gostou de provocar, na camaradagem cachaceira das noites frias da brincadeiras bairristas, retrucadas e levadas com humor por Vinicius. Agora, em plena festa da ceia, de pinho em punho, o cantador resolve tirar uma quadrinha espicaçando a carioquice de nosso herói que, participando de um desafio pela primeira vez, e estimulado pela platéia de comensais, lança de volta outra quadra “bolindo com Minas”. E assim, pouco a pouco, entre goladas e rimas, o negócio esquenta num crescendo, com as ofensas se tornando cada vez mais picantes de ambas as partes...
Vinicius, por incrível que pareça, começa a levar a melhor sobre o profissional da arte do improviso, talvez porque estivesse “um pouquinho mais sóbrio”. Até o instante inesperado em que o exímio cantador travou, não conseguindo mais responder às provocações de seu oponente, e nosso poeta, exuberante, além de continuar improvisando, ainda lança mais três quadrinhas seguidas, que acabaram por definir a incontestável vitória carioca na histórica peleja. A reação do violeiro não foi menos singular do que a sua derrota: parou imediatamente de tocar e abaixou a cabeça em silêncio. Evidentemente ferido em sua vaidade de grande artista popular, olhou com gravidade para nosso herói e para Rodrigo Mello Franco de Andrade; logo a seguir, num gesto que surpreendeu a todos, pega o seu revólver e começa a mandar balas para o alto, “sacudindo o braço em tiros de raiva”. O clima ficou carregado, a festa, obviamente, acabou naquele exato momento.
Depois, na rua, os ânimos já acalmados, Zé Badu revela a Vinicius que só não “atirara em cima” dele porque ele “era do peito”...
Vamos voltar no tempo, para o mesmo ano em que nosso herói seguiu para Londres, 1938, mais precisamente em agosto desse ano. O local: Ouro Preto. A missão: “debulhar os arquivos da Igreja de São Francisco de Assis, à cata de recibos comprovantes de umas tantas obras atribuídas a Antônio Francisco de Lisboa, o Aleijadinho”. A equipe: o escritor, e então chefe do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rodrigo Mello Franco de Andrade; o arquiteto José Reis “e um poeta com o meu nome (Vinicius), que ainda não praticava a arte da prosa”. A verdadeira façanha de Vinicius ocorre no Hotel Toffolo, na hora da ceia de despedida da missão, uma mesa rabelaiseana que dispunha, entre outras coisas, de um indefectível leitão assado e bebidas para todos os gostos. Afora os três boêmios, se encontravam ainda Carlos Flexa Ribeiro, Wladimir Alves de Souza e a figura folclórica de Zé Badu, “violeiro, cantador e contador de velórios”, companhia constante nas noitadas dos visitantes.Essas informações constam da crônica Ouro Preto de Hoje Ouro Preto de sempre, de maio de 1953, disponível no livro de Vinicius Para uma menina com uma flor. Após uma estada que incluiu um namorico com uma jovenzinha de 13 anos chamada, ironicamente, Marília; muita seresta regada a pinga com cerveja; e, “Tarde laboriosas, a verificar papel por papel nas imensas gavetas das enormes cômodas de jacarandá da sacristia de São Francisco de Assis”, nosso poeta se encontra agora nos fundos do Café do Hotel Toffolo, participando de um desafio de improviso inusitado com Zé Badu. O violeiro mineiro sempre gostou de provocar, na camaradagem cachaceira das noites frias da brincadeiras bairristas, retrucadas e levadas com humor por Vinicius. Agora, em plena festa da ceia, de pinho em punho, o cantador resolve tirar uma quadrinha espicaçando a carioquice de nosso herói que, participando de um desafio pela primeira vez, e estimulado pela platéia de comensais, lança de volta outra quadra “bolindo com Minas”. E assim, pouco a pouco, entre goladas e rimas, o negócio esquenta num crescendo, com as ofensas se tornando cada vez mais picantes de ambas as partes...
Vinicius, por incrível que pareça, começa a levar a melhor sobre o profissional da arte do improviso, talvez porque estivesse “um pouquinho mais sóbrio”. Até o instante inesperado em que o exímio cantador travou, não conseguindo mais responder às provocações de seu oponente, e nosso poeta, exuberante, além de continuar improvisando, ainda lança mais três quadrinhas seguidas, que acabaram por definir a incontestável vitória carioca na histórica peleja. A reação do violeiro não foi menos singular do que a sua derrota: parou imediatamente de tocar e abaixou a cabeça em silêncio. Evidentemente ferido em sua vaidade de grande artista popular, olhou com gravidade para nosso herói e para Rodrigo Mello Franco de Andrade; logo a seguir, num gesto que surpreendeu a todos, pega o seu revólver e começa a mandar balas para o alto, “sacudindo o braço em tiros de raiva”. O clima ficou carregado, a festa, obviamente, acabou naquele exato momento.
Depois, na rua, os ânimos já acalmados, Zé Badu revela a Vinicius que só não “atirara em cima” dele porque ele “era do peito”...
MORAES, Vinicius. Poesia completa e prosa. Org: Alexei Bueno. RJ, Nova Aguilar, 1998.